sexta-feira, 22 de julho de 2011

AMOR PERFEITO

Estava pensando no quanto todos nós estamos enganados sobre o amor que queremos. O primeiro adjetivo que ocorre para definir o amor que procuramos é 'perfeito'. Perfeito é o que não tem defeitos, físicos ou morais. Isso quer dizer que se uma espinha aparecer, a perfeição já foi comprometida; a pessoa perfeita não tem o direito de ter calos, cabelos brancos, preguiça, soluços, teimosia, vício por café, uns quilinhos a mais ou a menos, flacidez. 

 A pessoa perfeita nunca é perfeita. Estive pensando e acho que a pessoa perfeita é aquela que é a 'nossa'. Nossa porque há cumplicidade, confiança, diálogo, cuidado, dedicação, reciprocidade e aquele tchan que não se encontra todos os dias.

Imagine que você perdeu um objeto de valor sentimental, não necessariamente de valor material. Você procura, busca, se empenha para recuperar o objeto e mesmo que você possa comprar um melhor, mesmo que você ganhe outro idêntico, aquele não é substituído, porque ele era único e era o seu.

Pense ainda no que você sente quando volta para sua casa, depois de uma viagem magnífica na qual você esteve em hotéis maravilhosos. A sensação de estar na sua casa, é única. Pode não ser tão confortável, tão bonita, tão ricamente mobiliada. Mas é sua. Um vestido Prada que não seja seu, nem seu número, não adianta ter no armário. Mais vale a velha calça jeans, já surradinha, que cai como uma luva.

Com o amor também é assim, com a pessoa certa é assim também. Ela não é a pessoa certa porque é a melhor. Ela é a certa porque é sua. E mesmo que você possa ter um amor novinho em folha, embalado em papel-bolha, não será tão bom, porque não é o seu.


A CAMA ELÁSTICA


Todos nós costumamos ser incomodados pelas mesmas coisas. E a maioria dos nossos problemas existem porque não conseguimos viver apenas o momento presente.

Vivemos o presente, mas passado está lá fora, ameaçador. Ele ronda, ele amedronta, ele faz barulho. Mas, na verdade, ele não existe e não é mais que eco e sombras, desenhos, imagens que se desfazem no ar. O presente é aqui dentro e agora, nesse recorte de tempo chamado hoje.

No presente estamos seguros e aquecidos, protegido contra tudo que já foi e hoje não mais é. Urge jogar ao fogo o resto de lembranças que hoje só ocupam espaço e poluem a atmosfera da mente. O agora é tudo que há para viver.

Imagine-se pulando numa cama elástica. Esse movimento é tudo, pois te toma inteiro, ocupa sua mente totalmente. Agora você não é ninguém, nem nada te incomoda. Você é só esse movimento, a emoção de se projetar no ar pelo impulso do elástico. Você está totalmente no presente, no agora. Você não se lembra de nada, nada te incomoda, você só quer apreciar a sensação. E assim deve ser, sempre que se sentir  voltando ao passado ou visitando o futuro: pule na cama elástica. Volte para o presente e seja o presente, seja o movimento, seja o momento.

DA FRAGILIDADE


Frágil é o que se quebra ou se desfaz facilmente; quebradiço, débil, fraco, pouco resistente. Em sentido figurado, sujeito a sucumbir às tentações, leviano, efêmero ou transitório.


Conversávamos essa semana e falamos da fragilidade da vida, o quanto isso assusta e traz desconforto. A vida é frágil, nós somos frágeis, as relações são frágeis, os estados, até as certezas. É paradoxo, uma certeza ser frágil, mas na condição humana, as certezas não são tão certas; são frágeis, sim.


Você se assusta diante dessa fragilidade. Eu acho que a beleza está na fragilidade, porque ela nos leva a valorizar mais o que temos, o que vivemos, o que saboreamos. Porque isso passa, fica a lembrança, ou em casos menos felizes, ficam a culpa e o remorso. Mas também penso que se frágil é efêmero, transitório, frágil está contido num todo que não acaba, que é eterno. Frágil está na eternidade, é uma das faces, um dos lados. Não há porque temer.


É belo ter o amor de uma pessoa sabendo que tudo é frágil, inclusive os sentimentos. E vem a tempestade... o amor balança, mas não cai. Vem o tufão, o amor cai, roda com o vento, consegue se segurar e permanece. E vêm mais coisas, e o amor apesar de tudo, continua, resiste, cresce e fica mais forte. E talvez não seja assim tão frágil.

"A vida é mesmo coisa muito frágil, uma bobagem, uma irrelevância diante da eternidade do amor de quem se ama."  (Nando Reis) 

O JARDIM

Uma mulher passava por uma profunda tristeza, cultivando mágoas e dores, diante da vida cruel que a reduzia a pouco. Sua casa era escura, sem vida, sem perfume. Suas roupas expressavam a dor que lhe ia pela alma. Aos poucos, ela perdia a capacidade de sorrir diante das brincadeiras das crianças ou da espontaneidade do seu cachorrinho Foguete.
Um dia, na visita de um amigo querido, ouviu o conselho que mudaria sua vida:
- Margarida, a partir de hoje, cada vez que se sentir triste ou que uma mágoa se revolver na sua mente, você plantará uma flor.
E assim, sem ao menos pensar a respeito, ela simplesmente o fez. No primeiro dia, plantou quinze flores. Não foi fácil, pois, entre as plantas que ainda restavam na sua casa e no seu quintal, não havia muito o que plantar: faltavam mudas e sementes para tanto pensamento negativo. Ainda assim, encontrou um vasinho de violetas jogado a um canto, do qual recolheu três folhas e replantou em outros três vasinhos já desocupados. Colheu sementes de beijo-pintado e fez mais doze covinhas num canteirinho abandonado – a cada covinha plantada, um pensamento ruim havia passado anteriormente por sua cabeça.
No segundo dia, as dificuldades continuaram. O que plantar? Onde plantar? Começou a reaproveitar embalagens que iriam para o lixo: potinhos de iogurte, latas de creme de leite, e outras que poderiam servir. Começou a fazer testes, retirando  possíveis mudas dos pés de plantas que já existiam e estavam morrendo. Decidiu que recuperar uma flor que estivesse morrendo, também serviria para ‘pagar’ por um sentimento negativo.
Conforme os dias iam passando, a missão se transformou em diversão, sem que ela percebesse. Assim, começou a passear pelo bairro, pedindo mudas de flores às vizinhas, às vezes, até se arriscava a colher furtivamente nos jardins públicos sementes ou galhos que seriam replantados, posteriormente, no próprio quintal.
O quintal, antes sem vida, começou a ser organizado como um jardim. À noite, ao se deitar, ela idealizava a distribuição das flores, por cores e formas, e no dia seguinte, tentava executar a risca os planos traçados mentalmente. Começou a frequentar o viveiro do bairro. Lá descobria novas espécies e se apaixonou definitivamente pelas flores, que agora, incluíam folhagens, gramíneas, arvorezinhas e todo tipo de plantinha ornamental que se possa imaginar.
Agora, as flores estavam por toda parte. Dentro de casa, sobre as estantes, nos cantos, penduradas nos ganchos. Passou a ler e aprender os nomes científicos e populares: Impatiens walleriana, Moréia-bicolor, Azaleia, Ixora coccínea.
Assim, quando já não havia espaço no próprio quintal, já todo tomado pelo jardim multicor, ela começou a plantar um jardim no terreno baldio ao lado da própria casa. Ao fim de alguns meses, ambos os jardins reluziam em cores, nuances e formas.
Como todos observavam, e os jardins da Margarida eram comentados por toda a cidade, uma emissora de TV se interessou em mostrar a história. Assim, perguntaram a ela como surgiu a ideia do jardim e o que ela usava como adubo para que as flores ficassem tão belas e florissem o ano todo, ignorando as estações. Ela, pela primeira vez em meses, se deu conta de que havia esquecido completamente o motivo que a fizera começar o plantio das flores. Simplesmente percebeu que as dores se foram, as mágoas também, deixando apenas beleza. Bem posicionada para a câmera registrar ao fundo o jardim tão belo, trajando um vestido colorido, cujas flores pareciam saltar do próprio jardim, não querendo decepcionar a audiência, respondeu sutilmente ocultando a verdade:
- Esse jardim nasceu de uma linda história e o adubo usado foi o amor.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

PRATICANDO O DESAPEGO



Sempre vi a aceitação como uma ferramenta de grande utilidade para a nossa vida. Aceitar a vida e a morte, aceitar o momento, aceitar o não, aceitar o trabalho, aceitar...

Quando não sabemos aceitar, nos debatemos, nos revoltamos, nos machucamos, nos agarramos a coisas, situações ou pessoas, sem permitir o curso natural da vida.

Vemos tantas pessoas deprimidas porque foram traídas, outras revoltadas pela dificuldade que bate à porta, outras renegando Deus ou qualquer outra crença na divindade, porque não aceitam o fim da vida de um ente querido. Os motivos são inúmeros, possibilidades diversas, mas uma coisa em comum: a não aceitação.

Minha didática mente de professora, cultivada pela necessidade, faz com que eu veja o apego como um dos impecilhos para a aceitação. Por apego nos negamos a aceitar situações que não nos agradam, ainda que tenhamos a consciência de que posteriormente o resultado será positivo.

E o apego é aprendido, pois desde a nossa infância somos estimulados a isso. Todo o tempo nos ensinam a sermos apegados aos nossos familiares, aos nossos objetos. Quando cometemos um erro, somos punidos quando retiram de nós o objeto do nosso apego: o brinquedo, a companhia dos amigos, a TV. E assim crescemos, nos apegando e imaginando que a punição é a retirada do objeto do nosso desejo.

Pessoas se apegam ao casamento (e quaisquer tipos de relacionamento), não importando se há felicidade, se há respeito. Simplesmente não se aceita  o fim do relacionamento por apego.

Não aceitamos a morte de um ente, mesmo acreditando que a vida continua, ou que Deus o receberá em seu reino de amor.

Mas como exercitar o desapego? Cada pessoa deve criar seus próprios antídodos.
Entender que cultivamos memórias que nos aprisionam, é um bom começo. Entender que o apego é quase sempre um cárcere que criamos para nós e que ele se opõe à aceitação, à resignação e ao respeito pela vida também é de utilidade. Compreender que vida é impermanência - as coisas mudam todo o tempo e nisso a beleza está. A impermanência, além de um fato, é uma ferramenta para o nosso crescimento. Com ela, aprendemos a nos desapegar, a valorizar o que há de bom enquanto há oportunidade, aprendemos a sofrer menos com as dificuldades porque sabemos que serão passageiras.

Exercitar a aceitação, buscando tirar o melhor proveito de tudo o que vivemos é, sem dúvida, um dos melhores caminhos para o crescimento e a evolução, lembrando que essa aceitação nada tem a ver com o comodismo, com a falta de iniciativa, com a exagerada passividade. Afinal, tudo em excesso é prejudicial.


Considerando-se a impermanência de tudo, em um mundo em constantes alterações, o apego representa a ilusão para deter a marcha dos acontecimentos e reter tudo mais, impossibilitando o surgimento da realidade.
(Joanna de Ângelis)




terça-feira, 19 de julho de 2011

QUEM PERDE O TETO, GANHA AS ESTRELAS

 
Pollyana, a famosa personagem criada por Eleanor H. Porter, via tudo pelos olhos do bem, do melhor. Se lhe caísse um tijolo no dedo, ao invés de praguejar, não demoraria em afirmar: Que bom! Isso acontece porque tenho dedos!

Assim, por exemplo, diante da falta da melhor vestimenta, podemos reclamar. Mas, melhor seria agradecer e vestir a roupa humilde com a mesma alegria com que trajaríamos a veste mais cara. Tudo se torna uma questão de ponto de vista e, acrescento, gratidão pela vida.

Tenho pensado sobre o que é gratidão. Viver em gratidão é algo que vai muito além de bradar em altas vozes ou em pronunciar numa prece: Eu agradeço por tudo de bom em minha vida. Viver em gratidão é simplesmente viver em alegria por tudo de bom que há em nossa vida.

Ser grato não significa apenas agradecer pelo teto, pelo trabalho, pela família. Ter uma atitude de gratidão é viver como se tivéssemos sempre o melhor da vida: o melhor teto, o melhor trabalho, a melhor família. E de fato temos ou podemos ter. Tudo é uma questão de escolha, valorização e reconhecimento, além de atração. Mas, assim como podemos escolher não viver em gratidão, podemos escolher vivê-la em plenitude.

Degustar o alimento da nossa mesa com alegria diariamente, sem reclamar pelo excesso de sal ou pela falta do que mais agrada ao nosso paladar é atitude de gratidão. Assim também, trabalhar com alegria, honrando nossa função, espalhando bondade, amizade, valorizando a fonte do nosso sustento, mesmo com as dificuldades que podem vir, também é ser realmente grato.

Aproveitar os dons que recebemos, aprendendo a multiplicá-los e colocá-los a serviço do bem comum, além do nosso próprio bem, também é viver com uma atitude de gratidão pela vida. Acredito que uma das coisas mais belas da vida é aproveitarmos os dons que recebemos. Como é belo ver aquele que plantou colher com alegria os belos frutos do seu plantio! Como é belo ver o médico dedicado no atendimento aos seus pacientes, transformando a vida daqueles que o procuram! Como é belo ver o professor que com carinho ensina os alunos! Todos esses e todos os outros que aplicam seus dons estão vivendo em gratidão, são gratos à vida e assim encontram sua forma de retribuir.

Quando somos gratos pela vida, somos plenos, não nos apegamos a pequenos sofrimentos, não guardamos para nós o que há de bom, não negligenciamos as nossas capacidades, desconhecemos o que é viver sem amor, sem alegria, sem solidariedade e sem respeito. Quem vive em gratidão, nunca lamenta, nunca reclama, nunca perde; quem vive em gratidão, consegue ver além, consegue ver bênçãos em todos os momentos, vive como Pollyana.

Porque quem vive em gratidão é alguém que “perde o teto, mas ganha as estrelas”.

sábado, 16 de julho de 2011

OS AMANTES NÃO CONTAM NADA DE NOVO UNS AOS OUTROS

A alma só acolhe o que lhe pertence; de certo modo, ela já sabe de antemão tudo aquilo por que vai passar. Os amantes não contam nada de novo uns aos outros, e para eles também não existe reconhecimento. De fato, o amante não reconhece no ser que ama nada a não ser que é transportado por ele, de modo indescritível, para um estado de dinamismo interior. E reconhecer uma pessoa que não ama significa para ele trazer o outro ao amor como uma parede cega sobre a qual cai a luz do Sol. E reconhecer uma coisa inerte não significa identificar os seus atributos uns a seguir aos outros, mas sim que um véu cai ou uma fronteira se abre, e nenhum deles pertence ao mundo da percepção. Também o inanimado, desconhecido como é, mas cheio de confiança, entra no espaço fraterno dos amantes. A natureza e o singular espírito dos amantes olham-se nos olhos, e são as duas direções de um mesmo agir, um rio que corre em dois sentidos, um fogo que arde em dois extremos.
E então é impossível reconhecer uma pessoa ou uma coisa sem relação conosco próprios, pois o ato de tomar conhecimento toma das coisas qualquer coisa; mantêm a forma, mas parecem desfazer-se em cinzas por dentro, algo delas se evapora, e o que resta é apenas a sua múmia. É por isso também que não existe verdade para os amantes; seria um beco sem saída, um fim, a morte do pensamento que, enquanto estiver vivo, se assemelha à fímbria arfante de uma chama, onde se abraçam a luz e a escuridão. Como pode uma coisa iluminar onde tudo é luz? Para que a esmola do que é seguro e inequívoco onde tudo é plenitude? E como podemos ainda desejar alguma coisa só para nós, ainda que seja aquilo que amamos, depois da experiência que nos diz que os amantes não se pertencem, mas têm de se dar em oferenda a tudo o que vem ao seu encontro e se oferece aos seus olhares entrelaçados?


Robert Musil, in ‘O Homem sem Qualidades’