sábado, 3 de maio de 2014

Como o sol e a lua

Eles eram como o sol e a lua. Um sabia brilhar quando o outro se punha, com a dureza ou a delicadeza, com a intensidade ou a discrição, alternavam em harmonia...se completavam e se complementavam. Se esbarravam e se lapidavam. 

Um ensinava, o outro aprendia. Eram companheiros inseparáveis. Um não se via sem o outro, nem ninguém os via, um sem outro. Na dor e na comemoração, eram cúmplices. Nada que os ferisse, os separava; antes, unia mais. e apesar de surreal e incompreensível, eles seguiam juntos, mas sozinhos, impermeáveis nos próprios sonhos e caminhos. Duas paralelas sem intersecção, apesar de todo o infinito amor. Ninguém perguntou por que, nem eles esclareceram.

Foram como o sol e a  lua.


A semente

Eu plantei um sonho. Escolhi a melhor terra. Preparei o solo, revolvi, escolhi o lugar ideal, onde não havia sol demais nem de menos. Eu plantei um sonho e esperei.

Com amor reguei dia a dia com sorrisos e lágrimas. Espantei as pragas, tirei as ervas daninhas. Com amor esperei. Vi sóis nascerem e morrerem e esperei com alegria o momento em que a semente germinaria.

Um dia, um pequeno broto surgiu tímido. Pequeno, mas vigoroso. Esperei mais feliz. Mas apesar de todo dia um novo sol surgir e se por, sóis e mais sóis, o broto não vingou e caiu. Mas a semente continuou no solo, saudável, carregando seu potencial de vida, e eu cuidei dela com o meu melhor. Outros tímidos brotos surgiram e caíram antes mesmo de virar uma folha. Minhas lágrimas foram água e sal para a terra, mas a minha semente, apesar de perfeita, recusa-se a nascer. 

Ela só quer ser semente.

A MENINA QUE GOSTAVA DE PÃO DE QUEIJO

Ela gostava de filmes, livros e de pão de queijo.

Não havia comida no mundo que a menina gostasse mais. Pão de queijo goiano feito na hora, com queijo curado, polvilho azedo, ovinhos de galinha caipira, feitos pela vovó Divina. Mas, em último caso, também servia pão de queijo comprado na padaria. Melhor que nada.

Ela brincava e comia pão de queijo.

Ela via filmes comendo pão de queijo.

Ela almoçava pouco, pensando no pão de queijo, que comia logo em seguida.
Pão de queijo, pão de queijo. Sonhava com eles. Que pizza, que nada. Torta de não-sei-o-quê. O negócio era pão de queijo.

Pão de queijo quente, frio, amanhecido. Pão de queijo, pão de queijo, pão de queijo.

Na última Páscoa ela ganhou dos avós um enorme ovo de Páscoa de uma marca famosa. Ela adorou! Tirou a embalagem, abriu, se admirou do tamanho, até tirou uma foto simulando uma grande mordida naquele ovo gigante. Na verdade, deu uma pequena mordida. E só. Guardou o chocolate e foi brincar. No seu pensamento, uma ideia brilhante: "E se alguém fizesse um ovo de Páscoa de pão de queijo?"

sexta-feira, 22 de julho de 2011

AMOR PERFEITO

Estava pensando no quanto todos nós estamos enganados sobre o amor que queremos. O primeiro adjetivo que ocorre para definir o amor que procuramos é 'perfeito'. Perfeito é o que não tem defeitos, físicos ou morais. Isso quer dizer que se uma espinha aparecer, a perfeição já foi comprometida; a pessoa perfeita não tem o direito de ter calos, cabelos brancos, preguiça, soluços, teimosia, vício por café, uns quilinhos a mais ou a menos, flacidez. 

 A pessoa perfeita nunca é perfeita. Estive pensando e acho que a pessoa perfeita é aquela que é a 'nossa'. Nossa porque há cumplicidade, confiança, diálogo, cuidado, dedicação, reciprocidade e aquele tchan que não se encontra todos os dias.

Imagine que você perdeu um objeto de valor sentimental, não necessariamente de valor material. Você procura, busca, se empenha para recuperar o objeto e mesmo que você possa comprar um melhor, mesmo que você ganhe outro idêntico, aquele não é substituído, porque ele era único e era o seu.

Pense ainda no que você sente quando volta para sua casa, depois de uma viagem magnífica na qual você esteve em hotéis maravilhosos. A sensação de estar na sua casa, é única. Pode não ser tão confortável, tão bonita, tão ricamente mobiliada. Mas é sua. Um vestido Prada que não seja seu, nem seu número, não adianta ter no armário. Mais vale a velha calça jeans, já surradinha, que cai como uma luva.

Com o amor também é assim, com a pessoa certa é assim também. Ela não é a pessoa certa porque é a melhor. Ela é a certa porque é sua. E mesmo que você possa ter um amor novinho em folha, embalado em papel-bolha, não será tão bom, porque não é o seu.


A CAMA ELÁSTICA


Todos nós costumamos ser incomodados pelas mesmas coisas. E a maioria dos nossos problemas existem porque não conseguimos viver apenas o momento presente.

Vivemos o presente, mas passado está lá fora, ameaçador. Ele ronda, ele amedronta, ele faz barulho. Mas, na verdade, ele não existe e não é mais que eco e sombras, desenhos, imagens que se desfazem no ar. O presente é aqui dentro e agora, nesse recorte de tempo chamado hoje.

No presente estamos seguros e aquecidos, protegido contra tudo que já foi e hoje não mais é. Urge jogar ao fogo o resto de lembranças que hoje só ocupam espaço e poluem a atmosfera da mente. O agora é tudo que há para viver.

Imagine-se pulando numa cama elástica. Esse movimento é tudo, pois te toma inteiro, ocupa sua mente totalmente. Agora você não é ninguém, nem nada te incomoda. Você é só esse movimento, a emoção de se projetar no ar pelo impulso do elástico. Você está totalmente no presente, no agora. Você não se lembra de nada, nada te incomoda, você só quer apreciar a sensação. E assim deve ser, sempre que se sentir  voltando ao passado ou visitando o futuro: pule na cama elástica. Volte para o presente e seja o presente, seja o movimento, seja o momento.

DA FRAGILIDADE


Frágil é o que se quebra ou se desfaz facilmente; quebradiço, débil, fraco, pouco resistente. Em sentido figurado, sujeito a sucumbir às tentações, leviano, efêmero ou transitório.


Conversávamos essa semana e falamos da fragilidade da vida, o quanto isso assusta e traz desconforto. A vida é frágil, nós somos frágeis, as relações são frágeis, os estados, até as certezas. É paradoxo, uma certeza ser frágil, mas na condição humana, as certezas não são tão certas; são frágeis, sim.


Você se assusta diante dessa fragilidade. Eu acho que a beleza está na fragilidade, porque ela nos leva a valorizar mais o que temos, o que vivemos, o que saboreamos. Porque isso passa, fica a lembrança, ou em casos menos felizes, ficam a culpa e o remorso. Mas também penso que se frágil é efêmero, transitório, frágil está contido num todo que não acaba, que é eterno. Frágil está na eternidade, é uma das faces, um dos lados. Não há porque temer.


É belo ter o amor de uma pessoa sabendo que tudo é frágil, inclusive os sentimentos. E vem a tempestade... o amor balança, mas não cai. Vem o tufão, o amor cai, roda com o vento, consegue se segurar e permanece. E vêm mais coisas, e o amor apesar de tudo, continua, resiste, cresce e fica mais forte. E talvez não seja assim tão frágil.

"A vida é mesmo coisa muito frágil, uma bobagem, uma irrelevância diante da eternidade do amor de quem se ama."  (Nando Reis) 

O JARDIM

Uma mulher passava por uma profunda tristeza, cultivando mágoas e dores, diante da vida cruel que a reduzia a pouco. Sua casa era escura, sem vida, sem perfume. Suas roupas expressavam a dor que lhe ia pela alma. Aos poucos, ela perdia a capacidade de sorrir diante das brincadeiras das crianças ou da espontaneidade do seu cachorrinho Foguete.
Um dia, na visita de um amigo querido, ouviu o conselho que mudaria sua vida:
- Margarida, a partir de hoje, cada vez que se sentir triste ou que uma mágoa se revolver na sua mente, você plantará uma flor.
E assim, sem ao menos pensar a respeito, ela simplesmente o fez. No primeiro dia, plantou quinze flores. Não foi fácil, pois, entre as plantas que ainda restavam na sua casa e no seu quintal, não havia muito o que plantar: faltavam mudas e sementes para tanto pensamento negativo. Ainda assim, encontrou um vasinho de violetas jogado a um canto, do qual recolheu três folhas e replantou em outros três vasinhos já desocupados. Colheu sementes de beijo-pintado e fez mais doze covinhas num canteirinho abandonado – a cada covinha plantada, um pensamento ruim havia passado anteriormente por sua cabeça.
No segundo dia, as dificuldades continuaram. O que plantar? Onde plantar? Começou a reaproveitar embalagens que iriam para o lixo: potinhos de iogurte, latas de creme de leite, e outras que poderiam servir. Começou a fazer testes, retirando  possíveis mudas dos pés de plantas que já existiam e estavam morrendo. Decidiu que recuperar uma flor que estivesse morrendo, também serviria para ‘pagar’ por um sentimento negativo.
Conforme os dias iam passando, a missão se transformou em diversão, sem que ela percebesse. Assim, começou a passear pelo bairro, pedindo mudas de flores às vizinhas, às vezes, até se arriscava a colher furtivamente nos jardins públicos sementes ou galhos que seriam replantados, posteriormente, no próprio quintal.
O quintal, antes sem vida, começou a ser organizado como um jardim. À noite, ao se deitar, ela idealizava a distribuição das flores, por cores e formas, e no dia seguinte, tentava executar a risca os planos traçados mentalmente. Começou a frequentar o viveiro do bairro. Lá descobria novas espécies e se apaixonou definitivamente pelas flores, que agora, incluíam folhagens, gramíneas, arvorezinhas e todo tipo de plantinha ornamental que se possa imaginar.
Agora, as flores estavam por toda parte. Dentro de casa, sobre as estantes, nos cantos, penduradas nos ganchos. Passou a ler e aprender os nomes científicos e populares: Impatiens walleriana, Moréia-bicolor, Azaleia, Ixora coccínea.
Assim, quando já não havia espaço no próprio quintal, já todo tomado pelo jardim multicor, ela começou a plantar um jardim no terreno baldio ao lado da própria casa. Ao fim de alguns meses, ambos os jardins reluziam em cores, nuances e formas.
Como todos observavam, e os jardins da Margarida eram comentados por toda a cidade, uma emissora de TV se interessou em mostrar a história. Assim, perguntaram a ela como surgiu a ideia do jardim e o que ela usava como adubo para que as flores ficassem tão belas e florissem o ano todo, ignorando as estações. Ela, pela primeira vez em meses, se deu conta de que havia esquecido completamente o motivo que a fizera começar o plantio das flores. Simplesmente percebeu que as dores se foram, as mágoas também, deixando apenas beleza. Bem posicionada para a câmera registrar ao fundo o jardim tão belo, trajando um vestido colorido, cujas flores pareciam saltar do próprio jardim, não querendo decepcionar a audiência, respondeu sutilmente ocultando a verdade:
- Esse jardim nasceu de uma linda história e o adubo usado foi o amor.